Então… O pior burro é aquele que não quer aprender!
Depois de dar muita risada da minha própria cara, por estar repetindo de novo e de novo e de novo um erro bobo a respeito do qual eu já havia escrito muitos anos atrás, eu decidi que precisava mudar alguma coisa no meu modo de interagir nas redes sociais.
Uma coisa que sempre me incomodou é a atitude de “deixar as pessoas no vácuo”, o que em minha opinião basicamente implica mantê-las na invisibilidade, ou simplesmente não reconhecer sua humanidade. É uma coisa horrível. Se você xinga de volta, pelo menos você mostra que reconhece suficiente humanidade no outro para se importar por um instante que seja com o que ele disse, Já se você não apresenta qualquer reação, como se não tivesse lido o que o outro disse, você aparentemente não reconhece nem sequer a existência do outro, muito menos sua humanidade.
O desprezo absoluto é uma das piores coisas que se pode fazer para um animal social. Entretanto, tem gente que “pede” por isso.
Ontem uma pessoa perguntou no Twitter: “Como a gente faz para conhecer novas pessoas se não estuda mais, não tem círculo social algum porque se mudou para uma cidade nova e trabalha em casa?” Bem, essa é uma situação muito próxima ao que eu passo atualmente, porque não tive a sorte de fazer com meus colegas de trabalho uma amizade do tipo que nos leva a confraternizar fora do ambiente de trabalho. Tenho uma relação respeitosa e funcional, porém distante, com os colegas com quem interajo no trabalho. Com os demais, praticamente só nos cumprimentamos nos corredores, trocamos algumas ideias nas reuniões e voltamos a nos falar na reunião seguinte Das 18:00 de cada dia até às 12:00 do dia útil seguinte, eu estou completamente solitário em uma cidade onde não desenvolvi nenhuma amizade como as que tive antes de vir morar aqui. Então, eu entendi a situação de quem perguntou aquilo e me propus a ajudar, avaliando a situação em que ela se encontra e dando uma sugestão.
Como se trata de uma pessoa com mais de 40.000 seguidores no Twitter, eu perguntei: “Com tantos seguidores, nenhum é da sua cidade? Que tal se você tuitar que estará em determinado local, em determinado momento, e convidar quem ler o tweet a ir conhecer você pessoalmente?”
Um cara comentou o meu tweet dizendo: “esta é a pior ideia que eu já vi”.
Só isso: “esta é a pior ideia que eu já vi”. Não explicou o motivo. Não deu uma sugestão melhor. Tudo o que ele tinha a oferecer era uma microagressão gratuita, desnecessária e fútil. Justamente em um momento em que eu já estava irritado com os eventos descritos na primeira parte deste artigo.
A atitude dele me fez perceber que eu estava em uma encruzilhada: bloquear o sujeito naquele momento me parecia uma atitude tóxica, uma reação automática intensa demais para uma provocação tão pequena; por outro lado, insistir na interação poderia me levar a uma escalada de troca de tweets ainda mais tóxicos. Era um momento de decisão sobre o padrão de comportamento que eu desejava desenvolver na internet.
Pode parecer fútil “toda essa filosofia perante um mero tweet“, mas não é: uma grande parte de nós – e isso provavelmente inclui você, se você está lendo este artigo – passa uma boa parte de nossas vidas no “mundo virtual”, interagindo nas redes sociais tanto com amigos como com completos desconhecidos. Isso impacta nossas vidas e precisamos ter consciência do alcance deste impacto e assumir o controle sobre estas interações para que o impacto seja positivo e não negativo. Então, minha decisão de como reagir àquele tweet era importante.
Eu decidi responder: “a internet é livre para você oferecer uma sugestão melhor”. Não foi a melhor resposta, mas também não foi ruim. A pessoa em questão desviou o assunto, questionou a segurança da minha sugestão, disse que era melhor conhecer alguém no Tinder, eu expliquei que um evento num lugar movimentado, anunciado publicamente, era muito mais seguro do que um encontro num boteco qualquer com um desconhecido, e a coisa morreu por aí. Nem uma maravilha, nem um horror, mas civilizado e sem consequências emocionais negativas. (Pelo contrário, me rendeu este artigo!)
O importante ali, entretanto, é que ao responder “a internet é livre para você oferecer uma sugestão melhor” eu já tinha decidido o que fazer dependendo da resposta que viesse: se viesse uma resposta razoável, eu conversaria com razoabilidade, como aliás aconteceu. Porém, se viesse uma pedrada, ou qualquer comentário tóxico, eu já havia decidido previamente não me contaminar pela toxicidade, nem dar importância àquilo batendo de volta, porque este é precisamente o estímulo que levaria o outro a postar mais um tweet tóxico.
O risco de o outro postar “mais um tweet tóxico” merece toda essa reflexão? SIM, porque um tweet tóxico não é apenas “um” tweet tóxico. Um tweet tóxico é o combustível para uma escalada de tweets tóxicos, que será vista por dezenas, centenas ou milhares de outras pessoas, muitas das quais vão acrescentar o seu “um” tweet tóxico, e lá se vão literalmente horas e horas de toxicidade retroalimentada se espalhando pelas redes sociais, alimentando o ego de muita gente que gosta da toxicidade, aumentando a probabilidade que eles sejam ainda mais tóxicos no futuro e incomodem muita gente que fica realmente chateada e que tem um dia pior por causa disso, ou mesmo se afastam das redes sociais e deixam de interagir com diversos amigos cujo contato principal são as redes sociais. É o “Efeito Borboleta” aplicado às redes sociais: um tweet tóxico em um lado do mundo pode acabar com uma amizade do outro lado do mundo.
Muito melhor que se engajar em uma discussão tóxica é ignorá-la. E, quanto antes isso acontecer, melhor: responder o primeiro tweet com aparência duvidosa pode ser útil para dar chance para a outras pessoa mostrar a que veio, ou mesmo para jogar água no que parece ser uma fervura iminente, mas o responder o segundo tweet tóxico já equivale a jogar gasolina na fogueira.
Se a pessoa em questão tivesse respondido algo do gênero “não trabalho de graça para ficar arranjando solução para fracassado”, ou alguma “delicadeza” nessa linha, eu teria simplesmente bloqueado a criatura, eliminado sua existência do meu universo virtual, tornado o meu espaço um pouco mais saudável e contribuído um pouquinho para reduzir a propagação de toxicidade nas redes sociais.
Isso não quer dizer, é claro, que eu não vou jamais ser burro de novo e que eu não vou nunca mais me incomodar com alguma provocação literalmente desprezível na internet, mas todo aprendizado requer algum treino para ser fixado e eu estou me esforçando para aprender a não reagir automaticamente aos coices e relinchos da internet. Pelo menos o pior burro eu não serei.
Arthur Golgo Lucas – www.arthur.bio.br – 12/08/2022
Clique aqui para ler a primeira parte deste artigo.